Depoimento ao STF expõe ordens da cúpula da PRF para barrar ônibus com eleitores do Nordeste no segundo turno de 2022 como parte da trama golpista bolsonarista
Depoimentos de ex-servidores da Polícia Rodoviária Federal (PRF) ao Supremo Tribunal Federal (STF) confirmam que a corporação foi usada deliberadamente para tentar impedir a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno das eleições presidenciais de 2022. Os relatos, colhidos pelo ministro Alexandre de Moraes no âmbito da ação penal contra o chamado Núcleo 1 da trama golpista, apontam que diretores da PRF deram ordens explícitas para realizar “policiamento direcionado” com o objetivo de dificultar o acesso de eleitores do Nordeste às urnas — prática que favoreceria o então presidente Jair Bolsonaro.
Ordem veio da alta cúpula: "Está na hora da PRF tomar lado"
Segundo o ex-coordenador de inteligência da PRF, Adiel Pereira Alcântara, houve uma determinação clara para que a PRF “tomasse um lado” nas eleições, conforme orientação do então diretor-geral da corporação. Em seu depoimento, Adiel afirmou ter presenciado uma ordem do diretor de operações Djairlon Henrique Moura para que fossem intensificadas as abordagens a ônibus e vans vindos de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro com destino ao Nordeste — justamente onde Lula tinha forte base eleitoral.
“Está na hora da PRF tomar lado. A gente tem que fazer jus das funções de direção e aquilo era uma determinação do diretor-geral”, relatou Adiel, em uma das declarações mais contundentes sobre a tentativa de interferência eleitoral por parte da PRF.
A ordem foi reiterada no dia seguinte, segundo Adiel, pelo diretor de inteligência da época, inspetor Reischak, durante reunião com chefes dos serviços de inteligência dos estados. A operação, segundo os depoentes, não tinha base técnica legítima e visava diretamente comprometer o deslocamento de eleitores petistas.
Operações em cidades sem trânsito relevante e uso indevido de relatórios
Outro depoente, o agente de inteligência Clebson Ferreira de Paula Vieira, que atuava no Ministério da Justiça na gestão de Anderson Torres, afirmou ter ficado “apavorado” ao descobrir que os relatórios técnicos que produzia estavam sendo utilizados para justificar operações ilegais da PRF. Ele disse que os dados foram solicitados por Marília Alencar, então secretária de inteligência do ministério, hoje também denunciada.
“Uma habilidade técnica foi utilizada para uma tomada de decisão ilegal”, declarou Vieira, acrescentando que os bloqueios ocorreram em cidades sem relevância de fluxo de trânsito — ou seja, sem justificativa prática que não fosse a interferência no processo eleitoral.
Instrumentalização da PRF e imagem de Bolsonaro
Adiel também revelou o incômodo de parte do efetivo da PRF com a vinculação institucional da corporação à figura de Bolsonaro. O ex-presidente utilizava motocicletas da PRF em suas motociatas e frequentemente publicava vídeos de operações nas redes sociais, reforçando a ideia de que a PRF estava a serviço do governo, e não do Estado brasileiro.
“Grande parte do efetivo não via com bons olhos esse vínculo com a imagem do ex-presidente”, disse o ex-coordenador. “Estavam criando uma polícia de governo, e não de Estado.”
Julgamento e testemunhas
Os depoimentos integram a ação contra o Núcleo 1 da trama golpista, que reúne os principais articuladores do plano para reverter o resultado das eleições por vias ilegais. São réus no caso:
- Jair Bolsonaro (ex-presidente);
- Walter Braga Netto (general e ex-vice na chapa de Bolsonaro);
- Augusto Heleno (ex-GSI);
- Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin);
- Anderson Torres (ex-ministro da Justiça);
- Almir Garnier (ex-comandante da Marinha);
- Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa);
- Mauro Cid (ex-ajudante de ordens e delator).
Todos são acusados de crimes como organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e uso indevido de instituições públicas.
Entre 19 de maio e 2 de junho, estão sendo ouvidas 82 testemunhas da acusação e da defesa. O interrogatório de Bolsonaro e dos demais réus será o próximo passo, ainda sem data definida. A expectativa é que o julgamento aconteça ainda em 2024.
Revista Fórum
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