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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Pedrinhas, Maranhão, 2014



Por João de Deus Castro*

Neste início de ano, o Brasil foi tomado por notícias aterradoras do Maranhão. Nova rebelião em Pedrinhas, presídio localizado na região metropolitana de São Luís, com decapitações de internos, acumulando um saldo (oficial) de 63 mortos em 2013 e início de 2014; e ataques a ônibus, com uma vítima fatal, uma garotinha de 6 anos, Ana Clara. Uma palavra recorrente nos últimos dias: barbárie. Uma situação que até os políticos da base do governo da oligarquia Sarney tem como inadmissível. Claro, a barbárie é inadmissível, mas não as condições que a produzem. Essas devem ser mantidas intactas a depender do grupo familiar no poder.

Evidente que os Sarney não são os únicos responsáveis. A situação carcerária do país é um límpido emblema de nossa tradição autoritária, violenta e socialmente desigual em que se reservou aos pobres, principalmente negros, a razão de ser de um sistema penal profundamente lombrosiano[1]. A repressão aos “rolezinhos nos shoppings” também é exemplo desse tratamento criminalizante tradicionalmente dispensado às classes desfavorecidas. Tradição de que o clã Sarney é dos mais longevos representantes.

Por outro lado, os avanços sociais conquistados nos últimos 12 anos no Brasil não tiveram profundidade para mudar o quadro. E no caso do Maranhão, no que diz respeito a políticas públicas, seja lá ela qual for (educação, saúde, saneamento, segurança etc.), a estratégia é simples e o resultado cruel, e consiste em deixa-las totalmente a cargo do governo federal. Nada de esforços combinados. A prática propagandística do governo Roseana (PMDB) tem sido mostrar o que não produziu. Bolsa Família (programa de que o estado é o de maior contingente populacional beneficiado), Luz para Todos, expansão do ensino superior da rede federal e dos Ifma’s – políticas do governo Lula e Dilma – não tem sido suficientes frente à total falta de iniciativa na esfera estadual. Aí, a máquina pública foi como nunca privadamente apropriada.

A governadora deu à calamidade uma explicação singela. A causa de tudo isso é porque o estado está… “mais rico”. E a melhor reação a isto não adveio dos meios políticos. Em recente Carta dos bispos do Maranhão dirigida “ao Povo de Deus”, lê-se: “É verdade que a riqueza no Maranhão aumentou. Está, porém, acumulada em mãos de poucos, crescendo a desigualdade social. Os índices de desenvolvimento humano permanecem entre os mais baixos do Brasil”.

2014, como se sabe, é ano eleitoral, e a crise na segurança pública, ou melhor, sua repercussão nacional e internacional, caiu como uma bomba no colo de um governo já moribundo. Se as manifestações de junho de 2013 tiveram alvos difusos em todo o Brasil, no Maranhão tiveram um bem preciso e conhecido: a oligarquia Sarney e seu governo de quase 50 décadas praticamente sem interrupções. Retomadas neste início de ano, as mobilizações falam até mesmo em impeachment da governadora. Aliados políticos, como ratos, abandonam o navio naufragando, em direção a candidaturas de oposição – Flávio Dino (PCdoB) e Eliziane Gama (PPS). Roseana, vendo cada vez mais distante a possibilidade de eleger seu sucessor (cujo nome começa a ser esquecido), arrisca a sequer ser eleita senadora. E mais do que nunca tentará socorrer-se junto à candidatura Dilma.

Não é novidade que a aliança com Sarney traz constrangimentos ao PT e a Dilma. Um peso morto cada vez mais difícil de carregar e do qual possivelmente a direção nacional do partido quer se livrar. E o que não falta é motivo e oportunidade. Não bastasse os índices sociais do estado destoando completamente em relação ao resto do país, as crises e os escândalos, politicamente o sarneysmo está enfraquecido, e assim também e cada vez mais sua capacidade para chantagear no governo Dilma. A candidatura Flávio Dino, apesar de alianças esdrúxulas, é amplamente favorecida e desponta em todas as pesquisas com mais de 50% de intenções de voto. Uma retirada do PT-MA seria certamente a pá de cal no governo da oligarquia. Um destino justo e merecido, pois não se trataria de abandono de aliado fiel, mas de um grupo amplamente beneficiado com cargos federais e que deve sua sobrevivência política ao PT e que, contudo, não faz jus ao propósito de ascensão social dos oprimidos. Muito ao contrário, boicota-o sistematicamente, aguardando apenas um deslocamento mais à direita na presidência da república, alguém a que possa aderir mais confortavelmente, como foi com FHC, e como seria com Aécio ou Campos-Marina, ou seja, os que pretendem “derrotar o chavismo” no Brasil.

Enquanto o bloco petista no governo silencia, condição aliás em que esteve durante todo o governo Roseana, o campo da Resistência Petista, através de seus representantes na Executiva Estadual do PT, publica nota dirigida ao presidente nacional Rui Falcão e a todos os dirigentes do Partido em todas as esferas, mostrando um caminho de preservação da dignidade petista: “(…) O governo do Estado Maranhão é responsável pela produção de alguns dos piores indicadores sociais do país, como atestam diferentes relatórios do governo brasileiro e da ONU. Se no governo do Brasil, o PT assumiu o protagonismo na reversão dos indicadores sociais negativos, no Maranhão o PT participa de um governo que produz e aprofunda a exclusão social. Nestas circunstâncias, afirmamos em memória de Ana Clara e dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e cidade que vem sofrendo estas violências: é política e moralmente insustentável a participação do PT no governo de Roseana Sarney. Na condição de filiados do PT, propomos a imediata saída do governo Roseana Sarney para que a ampliação dos direitos conquistados nos dez anos de governança do PT no Brasil alcance o Maranhão”. Digno de nota e de atitude.

* Servidor Público do MPF/SP, ex-Sec. de Juventude do PT/Ma e ex-Sec. Geral do DCE-UFMA (2000-2001).

[1] Criminologista italiano, Cesare Lombroso é o formulador, no séc. XIX, da teoria do criminoso nato, um tipo físico que quase sempre se afasta dos padrões das classes abastadas.

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