A disputa pela água exige atenção cada vez maior. Em 40 anos, a demanda
deve crescer mais de 50%. Enquanto isso, os recursos hídricos do planeta estão
sendo contaminados. É o que, neste Dia Mundial da Água, 22 de março, lembram o
relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a gestão da água e Carlos Eduardo Morelli Tucci,
referência mundial no assunto.
A data foi estipulada por recomendação da ONU, durante a Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Rio-92.
Desde então, define-se um tema anual com o intuito de abordar os problemas
relacionados aos recursos hídricos. Neste ano, a temática é a “Cooperação
pela Água”.
O tema não representa apenas este dia. A ONU definiu 2013 como o Ano
Internacional de Cooperação pela Água. A intenção é conscientizar a população
mundial a respeito dos desafios do gerenciamento da água do planeta e da
necessidade de um esforço global para enfrentar o problema. A má utilização da
água no mundo é, justamente, um dos pontos básicos da 4ª edição do relatório da
ONU sobre o desenvolvimento dos recursos hídricos. O texto, que ainda aponta
questões como pressões do clima, crescimento demográfico e aumento da demanda
por energia e alimentos, foi apresentado na abertura do 6º Fórum Mundial da
Água, em Marselha, na França, no ano passado.
De acordo com o relatório, a demanda mundial por água vai crescer cerca
de 55% até 2050. Enquanto isso, o crescimento demográfico nos próximos 40 anos
está estimado em dois a três bilhões de pessoas. Tucci, doutor em Recursos
Hídricos pela Colorado State University e professor do Instituto de Pesquisas
Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica o
problema. “Existem dois riscos: o risco de escassez por aumento da demanda
(maior quantidade de usuários e demanda) e da escassez de qualidade devido à
contaminação da água disponível”.
Conforme o professor, a demanda cresce não apenas devido ao aumento da
população, mas também por causa de mudança de hábitos, incremento da renda e
outros fatores. “Não é a água que pode faltar, mas o aumento de demanda que faz
com que a mesma quantidade seja disputada por um maior número de usuários, além
da redução da disponibilidade pela contaminação”, explica o professor.
A água não acaba
A impressão que se tem quando se lê algumas manchetes alarmistas é de que a
água de fato está acabando e de que seu consumo pode extingui-la. Na verdade,
através de um fenômeno chamado Ciclo Hidrológico, a quantidade de água na Terra
é praticamente a mesma há milhões de anos. Águas do mar e dos continentes
evaporam, formam nuvens, voltam à terra (chuva, neve), escorrem para rios,
lagos e subsolo e, finalmente, retornam ao mar. Como se perde a água, então?
Com a poluição e a contaminação dos recursos hídricos.
Consumo
Esses recursos são consumidos por diversos setores. Segundo Tucci, o maior é a
agricultura irrigada, que utiliza 70% da água, seguida pela indústria (20%) e
pela população (10%). O cenário é o seguinte: uma pessoa deve beber 2 litros de
água por dia, mas são necessários de 2 mil a 5 mil litros de água para produzir
sua alimentação diária, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura.
Regiões
Nem sempre a região de maior demanda é a de maior oferta de água. “O semiárido,
com 10% da área do país, é uma região carente de disponibilidade. As áreas
metropolitanas, com grande concentração de população, têm alta demanda de água
em pouco espaço, o que, associado à contaminação das fontes de água por esgoto,
produzem grande pressão quanto à escassez quantitativa e qualitativa da água”,
alerta. Em um futuro cenário de escassez de água, o Aquífero Guarani é apontado
por muitos como uma alternativa interessante. Nas regiões onde está aflorante,
ele já é utilizado, como no interior de São Paulo, Mato Grosso do Sul e
fronteira do Rio Grande do Sul. Mas Tucci ressalta que o uso depende de
condicionantes físicos, como proximidade da demanda e profundidade do aquífero
para ser economicamente explorável. “Na parte central, pode estar a mais de
1500 metros de profundidade, aumentando o seu custo de uso”, afirma.
Dois terços da população mundial podem sofrer com falta de água potável
até 2025, segundo a Unesco.
Previsões
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)
estima que, até 2025, 2/3 da população mundial seja afetada, de alguma forma,
por falta de água potável. Mas esse tipo de previsão não é unanimidade. “Cada
região pode ter suas fortalezas e fraquezas em função da disponibilidade e
usuários”, pontua Tucci. O doutor em Recursos Hídricos também justifica as
correntes divergentes de pensamento sobre o tema. “Os que dizem que o cenário
não é catastrófico provavelmente estão mirando regiões onde existe muita água e
com poucos conflitos. Já os outros estão mirando as regiões problemáticas.
Portanto a resposta geral é pouco informativa, e o assunto deve ser associado
sempre a uma região específica ou a uma bacia hidrográfica”, afirma.
A água somente será valorizada quando ocorrer falta de água ou ela
estiver contaminada.
Valor
O Dia Mundial da Água busca prevenir esse cenário estimado para 2025. Apesar de
iniciativas e campanhas como essa, a água ainda é pouco valorizada pela
sociedade. Para Tucci, a população está acostumada a pagar pouco e a
desperdiçá-la, sem se importar em ver um rio ou riacho contaminado. No Brasil,
menos de 40% do esgoto é tratado. “Como qualquer produto, a água somente será
valorizada quando, nesta região específica do usuário, ocorrer falta de água ou
ela estiver contaminado. Por isso, o preço deve ser ajustado a uma gestão
racional, já que não existe órgão mais sensível do que o bolso”, sentencia.
Fonte: Noticias Terra